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March 5, 2012

O Papa vai celebrar a “Missa Tridentina”?


Desde a promulgação do motu proprio Summorum Pontificum (07/07/2007) por Sua Santidade o Papa Bento XVI, gloriosamente reinante, têm freqüentemente aparecido rumores de que o Santo Padre estaria celebrando privadamente a chamada Missa Tridentina em seus apartamentos. Tais informações, as quais até o momento não foram confirmadas pela Santa Sé, têm gerado vários debates: se o Papa pode, se ele deveria ou até se ele vai celebrar publicamente uma Missa Papal Solene (sendo que poderíamos citar muitas discussões em vários idiomas, freqüentemente longas e polêmicas).



Infelizmente, parece que a maioria, se não todos os debates (ou melhor, divagações), não se referem à antiga legislação litúrgica, aos antigos ritos, cerimônias e tradições da Solene Missa Papal. Muitos desejam, de forma vaga, ver Bento XVI celebrar aquela Missa “Solene” que se vê nas antigas fotografias e vídeos.

Não objetivamos aqui responder se isto é ou não possível e em quais condições poderia ocorrer a adaptação dos antigos ritos à, digamos, legislação canônico-litúrgica moderna (o que seria mais um assunto para divagações) – queremos, pois, apontar brevemente, alguns dos diversos “fatos”, dificuldades, diferenças, mudanças ou problemas relativos à celebração da antiga Missa Papal Solene no contexto atual. O que nos parece necessário, tendo em vista as diversas opiniões, comentários ou observações errôneas que se vê nesses debates.



I. A primeira coisa seria analisar a data da hipotética Missa Papal Solene (deve-se preferir tal definição). Há não muito tempo (logo após o Vaticano II) o Romano Pontífice celebrava normalmente uma Missa Papal Solene três vezes por ano: ao Natal, à Páscoa e à Festa de São Pedro, Príncipe dos Apóstolos (bem como outras solenidades especiais, como uma canonização, a Coroação Papal ou então a inauguração de um Concílio Ecumênico, como fez o Beato João XXIII).

Em todo o Ano Litúrgico, o Papa assistia a liturgias celebradas por cardeais e bispos previamente delegados (um documento próprio era preparado com antecedência pela Congregação do Cerimonial e enviada a todos os cardeais e bispos que deveriam desempenhar ofícios nas capelas papais (a “capela papal” é toda cerimônia celebrada ou assistida pelo Santo Padre [N. do T.]) intitulado: Denunciatio dierum quibus hoc anno *** Capellae papales et cardinalitiae habentur; et praescriptio colorum quos iisdem diebus in cappis induunt Emi. et Rmi. Cardinales).

Algumas vezes, o próprio Santo Padre celebrava uma Missa publicamente (como em uma das Basílicas Patriarcais Maiores) de uma maneira que se assemelha (definição que não é uma das melhores, entretanto tendo vista a natureza deste texto, permitimo-nos usá-la como uma referência) à chamada Missa Prelatícia rezada pelos bispos, como foi o caso do 25º Aniversário de Sagração Episcopal de Pio XII, quando ele disse uma Missa Baixa Papal na Basílica de São Pedro.



Diariamente, Sua Santidade costumava dizer sua Missa Baixa em um altar móvel em um de seus apartamentos (dependendo da sua residência: o Palácio do Latrão ou o Quirinal). Em outras ocasiões, a Missa era dita em sua capela privada (desde o Pontificado do Beato João XXIII, mais freqüentemente o Santo Padre dizia Missas Privadas na presença de um pequeno número de convidados).

II. Em segundo lugar, não esqueçamos que o antigo Palácio Papal (corte) foi transformado na Casa Papal pelo Papa Paulo VI (em virtude da Carta Apostólica motu proprio Pontificalis Domus de 28 de março de 1968), o que significou a abolição de muitos ofícios, corte de um grande número de dignatários nas Capelas Papais bem como nomes [atributos] (tanto clérigos como leigos). Logo (também segundo estas diretivas), é impossível celebrar uma Missa Papal em uma estrita obediência ao antigo cerimonial uma vez que, por exemplo, diversas formações militares (como a Guarda Nobre e a Guarda Palatina), ou então vários outros ofícios e postos (como cardeais do palácio, guarda da cruz papal, camareiros honorários, portadores da rosa de ouro, etc.), servidores papais, como em seus palácios, não mais existem, ou foram dissolvidos (modernizados, reformados ou reorganizados).

Importante é mencionar que a ordem (procissão) de todos os participantes da liturgia papal era estritamente regulada e mudada ou adaptada para rituais ou situações (por exemplo, no Domingo de Ramos ou na Purificação da Santíssima Virgem, quando o Papa não podia distribuir os ramos ou velas ele mesmo, ele era substituído por um dos cardeais; o que significava uma mudança na ordem de recepção dos ramos ou velas pelos dignatários especiais, bem como uma mudança na cerimônia: nem os pés nem os joelhos eram beijados [dependendo da dignidade daquele que recebe um ramo ou uma vela], mas tão somente beijava-se o anel do cardeal que substituía o Papa, etc.). [em virtude do citado documento (Pontificalis Domus), decidiu-se que a procissão Papal não mais seria composta por leigos].



III. Outro elemento, não menos importante e que não deve ser omitido, é uma grande mudança na diplomacia e nos costumes (a.), e na regulação da mentalidade litúrgica (b.):

a. O Papa não mais utiliza um coche (que bem antes do último concílio fora já substituído por um automóvel – o “papamóvel”), do qual certos gostariam de ver o retorno; o Santo Padre não mais viaja [em Roma, muito menos pelo mundo] acompanhado por sua Corte – o que é relacionado com as mudanças supra-mencionadas do Palácio. Antigamente, para cada capela papal, conforme seu local e gênero (forma, solenidade), o Papa, seus cardeais, os bispos, e outros dignatários, também leigos, partiam de seus palácios ou apartamentos para o local da celebração acompanhados por seus cortesãos (servidores ou subordinados). O Romano Pontífice, então, era recebido em localizações especialmente designadas (como a sala de paramentos) por determinadas pessoas (cardeais assistentes etc.).



Por exemplo, o Santo Padre Pio VII, de feliz memória, durante sua viagem à Paris, foi escoltado por toda a nobreza romana (eclesiástica e leiga) a partir de Roma, desde a Porta Angélica. Foi ele, pois, acompanhado por 108 pessoas (cardeais, como o Cardeal Antonelli, arquidiácono do Sacro Colégio; arcebispos; secretários; capelães; caudatari; mestres de cerimônia, etc.), como escreveu em seu diário Francesco Cancellieri, famoso padre e erudito.

Este é apenas um dos muitos elementos da etiqueta diplomática da corte, da vida papal diária e do funcionamento da Cúria Romana esquecidos, abandonados ou substituídos (muito devido ao progresso tecnológico e à dinâmica mudança do mundo atual – esta que descrevemos era a Roma do século XVIII, não aquela do século XX, muito menos a do início do século XXI).

b. Mesmo se ainda hoje cardeais servem o Papa como diáconos assistentes (cardeais diáconos paramentados de dalmáticas), exercendo uma função honorífica para a maioria da hierarquia e do “clero purpurado” (bispos e prelados), para muitos (clero e laicato) é impensável que eles fossem porta-velas (a chamada bugia) ou porta-Missais durante a Missa dita pelo Papa, ou então que desempenhassem o papal de levar as galhetas ao altar, servissem como turiferários, ou segurassem as franjas dos paramentos papais (fimbria, ou então falda).



IV. Quando se comenta uma possível celebração de uma Missa Papal Solene pelo Romano Pontífice, surge normalmente a questão da Tiara Papal (pode-se achar fotomontagens de alta qualidade mostrando o Santo Padre coroado com a Tiara – infelizmente tais imagens normalmente não correspondem às rubricas antigas); questão esta ainda mais comentada após o oferecimento ao Santo Padre de seu próprio Triregno.

Estritamente, a Tiara não é uma cobertura litúrgica (durante a Missa, ela é colocada no altar, sendo carregada por um dignatário especial da Cúria Romana – ofício o qual foi abolido pela Carta Apostólica Pontificalis Domus, 6, §4), e seu uso era regulado pelos livros do cerimoniário apostólico (o Caerimoniale Romanum).



Assim sendo, o Vigário de Cristo deveria aparecer coroado com sua Tiara, carregado na sedia gestatória e abençoando os fiéis, a priori, nos seguintes dias: Quattro Santi Coronati, São Martinho, São Clemente, Domingos Gaudete e Laetare, Natal, Santo Estevão, Epifania, Páscoa, Segunda-feira de Páscoa, Domingo do Bom Pastor, Ascenção, Pentecostes, São Pedro e São Paulo, São Silvestre, no aniversário de sua coroação (o que não tem ocorrido a partir do reinado de Paulo VI, mesmo que, teoricamente, o Papa ainda possua o direito de utilizá-la; como é bem conhecido, aquele Pontífice renunciou ao uso da Tiara, deixando aos seus sucessores a escolha de ser coroado ou não; Desde então não mais vimos o Bispo de Roma coroado).

V. Outros problemas e dificuldades são oriundos da reforma litúrgica pós-conciliar (simplificação dos paramentos, das cerimônias, mudanças nas orações, no canto, etc.). Vários dos antigos paramentos, como, por exemplo, a falda, o fanon, o subcingulum (também chamado de subcinctorium), os paramentos episcopais, como os sapatos (ornados com cruzes douradas no caso do Romano Pontífice para serem beijados), ou então as luvas, estão hoje renegados aos museus, exibidos em exposições ou seguramente trancados em sacristias.



Os princípios, as primeiras implementações e os efeitos da Reforma Litúrgica Papal são resumidamente apresentados na obra testamentária do seu criador e idealizador Annibale Bugnini (The Reform of the Liturgy 1948 – 1975, Collegeville 1990, p. 805 – 817 = chapter 52: The Papal Chapel).

Os tópicos supra-apresentados poderiam ser expandidos, mas isto iria além do que pretendemos neste artigo.

In nuce, são estas algumas diferenças ou dificuldades, mudanças ou problemas práticos (por exemplo: item 1: há décadas o papa diz pessoalmente cada missa, o que tem origem na abolição das missas coram epíscopo/Summo Pontifice [celebrada em presença de um bispo ou do Sumo Pontífice]; item 3: é hoje em dia impensável que o Santo Padre, sendo mais digno de todos, tão somente assista à uma Missa em vez de celebrá-la ele mesmo) relacionados à uma possível adaptação da Missa Papal Solene às condições atuais pelo Ofício das Celebrações Litúrgicas Papais. Ofício este que possui os meios adequados para fazê-lo: fontes, comentários e documentos (arquivo extremamente rico contendo, por exemplo, todos os Diários de todos os Mestres de Cerimônias dos Papas – infelizmente muitos inacessíveis ou não publicados), e experts (mestres de cerimônias, consultores e até historiadores e pesquisadores de todos os cantos do mundo, como o Prof. Nersinger, que recentemente publicou uma monumental obra sobre a liturgia da corte pontifícia como era celebrada até a reforma da segunda metade do século XX).


Tradução: MVM.